No outro dia conversava contigo, lembras? Sobre isto. Lembrarmo-nos. Termos tempo. Fazer-mos as coisas que gostamos. E dizias-me, que às vezes esquecias-te.
Esquecemo-nos. Andamos a correr. Os empregos e ateliers. Os miudos. Tomar conta de coisas. Responsabilidades.
Chegamos a casa. Ha coisas para arrumar. Gente para alimentar. Esquecemo-nos dos "rolos no cabelo" ou pior, esquecemo-nos de por os "rolos no cabelo"; falo por mim, só ha umas semanas comprei uma escova. Compro cremes que nunca uso. Alguem deve gostar muito de mim lá em cima, que a minha cara e o resto ainda não descaiu sabe-se lá porque estranho milagre, aos 46 anos. Esqueço-me dos cremes. De por aquelas máscaras verdes que se veem no cinema.
Também é certo que pouco arrumo a casa. Não sei o que faço a esse tempo, ah, espera, há uma coisa que faço, tomar banhos de espuma e comer batatas fritas, disse-te?
Não faço muitas coisas para ser mulher, há coisas que não gosto, coisas que acho não preciso, mas confesso-te que tenho uma queda por roupa interior bonita, e acho sempre que não importa se de facto as outras pessoas veem, o que nós gostamos é que vale.
Mas eu tambem me esqueço, era isso que te queria dizer. E não podemos. Mesmo se formos mães ou tivernos muito trabalho ou isto ou aquilo. Só uns minutos vá, para honrar as que não se podem dar ao luxo de ser mais mulheres.
E quem diz estas coisas "futeis" diz todas as outras, reclamar cada dia pelo que precisamos, ou queremos, exigir. SER.
Amanhã é novamênte o dia da mulher. Ja sabes que odeio. Odeio que ainda seja preciso, francamente que pensei que quando chegasse a esta idade já não fosse preciso. E o dia da mulher não é sobre coisas pequenas como batons, e saltos altos ou escolher andar descalça ou nua.
Mas tambem é. Não é?
Olha-te ao espelho.
Olho-me ao espelho.
Sou uma. A cada dia que passa o meu rosto vinca. O meu feitio vinca.
Sou uma. Nalguns dias preciso que me lembrem, que me digam que sou bonita, inteligente.
Mas cá dentro seja ou não, eu lembro-me mais vezes do que me esqueco.
Gosto de ser uma, e não trocaria, a não ser, talvez que não pudesse, como muitas ser apenas ELAS MESMAS.
Por isso, lembrei-me destas palavras da Clarisse. Acho sempre que ao ler estas palavras me sinto ainda mais mulher.
" pareceu-lhe então, meditativa, que não havia homem ou mulher que por acaso não se tivesse olhado ao espelho e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fracção de segundo a pessoa se via como um objecto a ser olhado, o que poderiam chamar de narcisismo mas, ja influenciada por ulisses, ela chamaria de:gosto de ser."
Agora vá, ja sei que ha coisas mais importantes para pensar e fazer, para quando a minha filha for um pouco mais velha, não receba mensagens no telemovel a dizer que amanhã se vai jantar fora. Afinal ainda nao perdi a esperança que, um dia, não seja preciso.